“Nas minhas imagens sempre procurei alguma coisa que fosse despegada da realidade” – Teresa Freitas
Nesta segunda edição, a realizadora Sibila Lind retrata a fotógrafa Teresa Freitas e o seu universo sonhador e colorido. Captando a atenção do público primeiramente através da rede social Instagram, a fotógrafa natural e residente em Lisboa encontrou o seu espaço de uma maneira muito independente. Foi crescendo nessa plataforma até conquistar uma liberdade que a permite agora viajar internacionalmente com o seu trabalho.
Apesar de nas suas fotografias notar-se uma identidade muito vincada, respira-se leveza nas suas representações de praias, ruas, edifícios, flores. São estes “momentos de prazer visual”, como a própria fotógrafa os identifica, que Sibila Lind exalta e recria neste segundo vídeo-retrato da Em.foco.
Conversa com Sibila Lind
1) Este teu vídeo retrato pareceu-nos uma bela sintonia com o trabalho da Teresa. Agarraste claramente na estética dela mas há muito de ti nestas imagens. Qual foi o equilíbrio que encontraste?
Acho que o meu trabalho e o da Teresa funcionam muito bem juntos, o que acaba por criar um equilíbrio entre as duas de uma forma muito natural. Ao longo de todo o processo, eu e a Teresa fomos discutindo, partilhando ideias e no fim estávamos quase sempre em sintonia. Os planos foram inspirados no trabalho dela – o qual aprecio bastante, mas sobretudo, no qual me revejo. Talvez seja por termos um percurso semelhante, já que ambas andámos no mesmo liceu e na faculdade de Belas-Artes, ou porque como pessoas somos muito parecidas. Isto porque durante as filmagens íamos partilhando ideias e gostos de cada uma, e uma de nós acabava sempre por dizer “eu também”. Mas claro, apesar de termos muito em comum, temos identidades diferentes. A construção dos planos foi um trabalho a dois, mas já a montagem acho que diz mais sobre mim.
2) Com o que te identificas mais no trabalho da Teresa?
Com a estética e a sensibilidade dela. Gostamos as duas de imagens “clean”, bonitas por si só. Imagens que transmitam ao espectador um prazer visual. E que nasçam daquilo que vemos. Ambas gostamos de descobrir o mundo, mostrar detalhes, pormenores que passam despercebidos, mas no caso da Teresa, ela acaba por criar até o seu próprio mundo. E eu gosto desse jogo entre a realidade e a fantasia: flores a nascer na praia, planícies cor de rosa, ondas do mar no fundo de uma piscina. A dualidade entre o que é e o que poderia ser. Foi também algo que me acompanhou desde sempre! Quando estava nas belas-artes, sentia falta da realidade. Agora que trabalho como jornalista multimédia, procuro a arte no real. A dúvida que a Teresa nos revela no fim do vídeo – que para ela já não é uma dúvida – também eu a tenho. Sou jornalista? Realizadora? Ilustradora? Fotógrafa? Por enquanto sinto que vou sendo um pouco de tudo.
3) Como foi o ambiente das rodagens? Sabemos que percorreste vários quilómetros com a Teresa em busca das locações ideais.
Fomos bastante eficazes! No total, foram só dois dias de filmagens. No segundo dia filmámos apenas na praia, mas no primeiro andámos de uma ponta à outra. Por Cascais, Monsanto, Almada e ainda fomos a um parque aquático abandonado na Caparica, mas quando lá chegamos percebemos que o espaço não tinha a ver com a estética da Teresa. Faz parte! Apesar de termos um guião ou um esboço de um guião, a verdade é que a maior parte dos planos foram criados com base no próprio local. Primeiro fizemos uma pesquisa online, via Google Maps. Depois já no sítio, íamos olhando e experimentado. A Teresa ia dando também ideias e eu ia apontando a câmara. Os planos foram aparecendo de forma espontânea. Acho que tanto eu como a Teresa funcionamos da mesma forma, muito na base da intuição. Eu gosto de ter o controlo sobre as coisas, mas também de ser surpreendida. Sobretudo pela sensação de ver algo pela primeira vez. Dessa forma o olhar é outro. Às vezes podemos reparar em menos detalhes, mas na maior parte das vezes acontece o contrário. Se tiver algo já planeado, uma ideia fechada, não procuro ver mais. E não exploro o potencial do que está à minha frente, naquele momento: um reflexo, um céu aberto, uma luz perfeita. Claro que são coisas que uma pessoa programando tudo e fazendo uma visita ao espaço antes acaba por se aperceber e poder controlar, mas eu gosto de funcionar de outra maneira. Apareço e faço. Porque no fim, o facto de não ter sido planeado, tudo me parece mais mágico.
4) As cores no trabalho da Teresa são talvez o mais importante. Como é que encontraste na correção de cor tonalidades tão parecidas com as que ela utiliza?
Bem, a correção de cor é muito parecida com a da Teresa porque foi feita pela própria Teresa (risos). Depois das filmagens, sentámo-nos as duas ao lado uma da outra a ver as filmagens no computador, mas em bruto. A curiosidade de ver as imagens como elas iriam realmente aparecer no vídeo fez com que tentássemos logo transformar os planos de acordo com a estética da Teresa, as cores pastéis, pouco contraste e maior claridade. A Teresa como já tinha experiência no assunto (é o que ela faz todos os dias), começou a mudar os valores de saturação, contraste, balanço de cores, etc… e voilà!
5) Porquê a escolha do ecrã dividido? É algo relacionado com o trabalho da Teresa, com a sua identidade?
A utilização dos dois quadrados foi influência de um vídeo que vi na revista nowness. Há um vídeo que retrata um bailarino que utiliza dois planos ao mesmo tempo e que me cativou bastante. Pensei nessa duplicação de quadros para criar um diálogo entre os dois planos e explorar assim a duplicidade, característico tanto do meu trabalho como do da Teresa. Uma duplicidade não tanto a nível da identidade, mas de perceção. Gosto muito de uma frase que li uma vez num livro, que dizia algo como: ” dois homens olham através das grades de uma prisão. Um vê a lama, o outro, as estrelas”. Esta frase pode ter vários significados, claro, mas para mim tem muito a ver com a forma como vemos as coisas. Nós podemos escolher ver aquilo que queremos.
E não só podemos escolher aquilo que vemos, como podemos dar-lhe outro significado. A Teresa quando faz uma fotografia de uma paisagem já está a ver o seu potencial, está a ver para além dela. E foi com isso que procurei também jogar. Um espaço com e sem Teresa. No início ainda pensei ter um plano com as cores da Teresa, e outro sem. Mas percebi que não ia funcionar visualmente, e ia tornar-se apenas confuso. Por isso, mantive sempre as cores características do trabalho da Teresa.
A segunda razão por ter escolhido trabalhar com dois planos ao mesmo tempo foi mesmo por uma questão de estética e, talvez, desafio pessoal. Ter dois planos obrigou-me a pensar “duplamente”. Quando filmava uma imagem, pensava logo com qual imagem ela iria comunicar. Foi mais exigente a nível da filmagem e montagem, mas no final faz todo o sentido.
6) Notámos uma grande diferença no vídeo-retrato sem e com o design de som. Como foi esse trabalho de colaboração com o Gil Amado? Tinhas já muitas ideias pré-definidas ou foi muito encontrado em pós-produção?
Nunca tinha trabalhado com alguém em pós-produção de som. Sempre tive de o fazer sozinha. Trabalhar com o Gil foi a minha primeira experiência e gostei bastante. Ele percebeu logo a essência do vídeo-retrato. Eu tinha já grande parte do som definido, mas ele conseguiu mesmo assim acrescentar muito. Nos momentos em silêncio, para os quais eu não tinha grande solução, o Gil criou vários sons abstratos que funcionam. E em alguns momentos há um jogo entre aquilo que vemos e aquilo que ouvimos.
Há dois planos onde o braço da Teresa aparece e que são bons exemplos disso: quando o braço faz um movimento ondulante sob uma parede azul, conseguimos ouvir o mar; depois, quando ele se levanta em frente a uma parede vermelha, ouvimos o som de madeira a vergar, de folhas ao vento, como se o braço fosse o ramo de uma árvore que se está a erguer. Ao acompanhar o processo de pós-produção do Gil sinto que aprendi bastante sobre a importância do som numa curta. E o quanto ele pode influenciar a narrativa. No final, só tive pena de não ter uma música original dele, mas não havia tempo. Fica para um próximo projeto, quem sabe.
7) Para além de realizadora és jornalista. E o teu trabalho em jornalismo parece não estar dissociado do teu trabalho no audiovisual. Sentes que transportas a tua experiência enquanto jornalista para este tipo de trabalhos?
Sempre. O meu lado de jornalista está sempre lá, quer eu queira quer não. Não tanto o lado informativo, factual, mas mais o lado documental. Sempre me interessei mais pelo real das coisas, pela história por trás. Em pequena quando me pediam para desenhar algo abstrato eu não conseguia. Tinha de ter lá algum elemento mais ilustrativo: uma lua, um sol, uma flor. E agora é o mesmo. Claro que para fazer este vídeo tive de “desligar” um bocado da vertente documental pura. Mantive essa parte no discurso da Teresa, que conta uma história com início, meio e fim. Mas as imagens, apesar de refletirem o trabalho da Teresa (como, por exemplo, quando a vemos a fotografar pelas ruas de Lisboa) são sobretudo estéticas.
8) Qual é a voz que queres ter enquanto realizadora?
É mais fácil para mim criar ou ter um olhar do que uma voz. Ainda não sei qual a voz que quero ter. Sei que quero sobretudo dar voz aos outros. Porque é muitas vezes nas histórias dos outros que nos revemos, nos inspiramos ou aprendemos a compreender o mundo. Pelo menos para mim funciona assim. Tenho o privilégio de enquanto jornalista conhecer sempre pessoas diferentes e ouvir o que elas me têm para contar. Uma imagem por si só diz muito, mas para realmente a compreender, preciso de ouvir o que ela tem para me contar.
BIOGRAFIAS
Teresa Freitas
artista retratada
Teresa Freitas nasceu em 1990 na brilhante e ensolarada Lisboa, onde ainda vive, mas aproveita qualquer oportunidade para viajar. Fotógrafa a tempo inteiro e criadora de conteúdos para marcas com uma abordagem artística e criativa que se concentra na natureza morta, stop motion e outras técnicas de animação. Ela gosta de brincar com motivos familiares e depois subvertê-los em algo menos tangível e mais cinematográfico.
Sibila Lind
realização
“A primeira a nascer vai chamar-se Sibila”, disse a sua mãe grávida de gémeas, enquanto fechava o livro da Augustina Bessa-Luís, Sibila. E assim foi. Desenho e pintura foram a sua primeira paixão, mas depois de terminar o curso de arte e multimédia, na Faculdade de Belas Artes, interessou-se pelo cinema e fotografia. Atualmente, Sibila Lind é jornalista multimédia e artista visual, a trabalhar no Luxemburgo. Interessa-se por direitos humanos, questões de igualdade de género, projectos culturais e histórias desconhecidas. Explorando sempre territórios entre o jornalismo e o trabalho artístico, que acredita estar a tornar-se cada vez mais ténue.