“Crescendo em periferias, em bairros ou pequenas comunidades tens sempre aquela ambição de um ‘small town kid’ ” – Herlander
Nesta edição de Julho-Agosto, a realizadora Leonor Alexandrino retrata o produtor/ músico/ performer Herlander numa espécie de diário visual, onde explora as origens do artista no seu antigo bairro da Arrentela, Seixal. Tomando como epicentro essas memórias não tão distantes, sentimos a vibração genuína de quem quer escrever algo de diferente no mundo da música.
Com um estilo difícil de caracterizar pela sua singularidade, mas repleto de referências reconhecíveis, a música de Herlander vai ressoando pelas paisagens que a realizadora Leonor Alexandrino e a diretora de fotografia Paula V Guisande vão pintando.
Esta é a edição 05, Herlander por Leonor Alexandrino.
Conversa com Leonor Alexandrino
1) É a nossa pergunta da praxe, mas que não faz sentido não ser feita: porquê a tua escolha de Herlander para artista retratado?
Eu já conhecia um pouco do trabalho do Herlander que sempre me interessou por ser tão experimental, irreverente e singular. Cada música é muito diferente de todas as outras mas todas estão carregadas de significado e sonoridades que a mim me atraem. Fazer música, construir uma música desde o início, isto tudo fascina-me e por isso quis-me aproximar do Herlander pela curiosidade de tentar entender como é que uma cabeça destas funciona. Como é o processo criativo e de onde vêm todas essas referências e experiências que se refletem na música dele.
2) De momento estás a viver na Alemanha, foi desafiante fazer este vídeo-retrato e prepará-lo à distância desde Berlim? E, ainda para mais, com uma diretora de fotografia espanhola (Paula V Guisande) a viver em Barcelona?
Acho que tornou mais stressante. A logística torna-se um pouco mais complicada com marcar voos e agendas mas não muito mais do que isso. Claro que gostaria de estar em Lisboa para me preparar um pouco melhor e conhecer o Herlander em pessoa antes de filmar em vez de ser por Zoom. Mas acho que ainda assim correu bem. Tivemos um caso de covid que nos deu mais tempo para preparar o filme, o que foi bom.
3) Foste talvez a realizadora que levou (a nível de processo) o vídeo-retrato para um patamar quase de ficção. A escolha do decór, as ações pedidas ao detalhe, a claquete, etc. Sentes-te mais confortável nesse registo, ou foi algo relacionado à forma com que querias retratar o Herlander?
De certa forma sim. Mas acho que apesar de ter cenas pensadas, são cenas que dão espaço e liberdade ao Herlander para ser quem é num registo mais privado e intimo. A ideia de fazer estas cenas em casa veio de uma primeira conversa que tive com ele e também da própria música e tema que ouvimos no video, a “Na Zona?”. Na música Herlander fala desta ideia de rotina que nos prende mas que quando nos libertamos dela olhamos para trás com nostalgia. Foi este sentimento agri-doce que me fez querer ilustrar esta rotina e escolher uma abordagem mais “ficcionada”.
4) Pegando novamente na diretora de fotografia Paula V Guisande, como foi trabalhar com ela? Um dos focos da revista é fomentar as duplas criativas realizador(a)-diretor(a) de fotografia, e ficamos sempre curiosos em saber como correm essas junções criativas.
Adorei trabalhar com a Paula. Nós conhecemo-nos na universidade e já tínhamos trabalhado juntas, mas nunca nesta dinâmica de Realizadora e Directora de Fotografia. Sempre gostei do trabalho dela e sempre quis trabalhar com ela, então foi perfeito. Temos referências e ideias semelhantes, foi fácil entendermo-nos. Foi super divertido trabalhar com ela incluindo no grading. Acho que ela tem imenso talento e um gosto enorme pelo que faz e em criar, o que é sempre super motivador.
5) Temos já edições filmadas em super8, mas até agora ainda não se tinha juntado super8 e MiniDV à nossa Blackmagic. Podes explicar-nos essa tua escolha de tríptico?
Acho que a super8 e a mini-dv fizeram sentido pelo caracter nostálgico que quis dar ao vídeo. Adoro película, já filmei em 16mm mas nunca tinha feito nada em 8mm então achei que seria fixe experimentar. A mini DV penso que encaixa super bem com a estética do Herlander e fez sentido ter algo que andasse ali entre o Digital e a Super 8.
6) O teu dossier/moodboard para este projeto estava lindíssimo. Quase que valia só por si enquanto objeto para a revista. Mostraste um estilo muito específico nessas referências que apresentaste, que foram também muito próximas do resultado final do vídeo-retrato. Onde vais normalmente procurar por referências e inspiração?
Vou buscar muitas das minhas referências a fotografia. Gosto muito de encontrar fotógrafos de moda e depois ir ver os projectos pessoais deles que são sempre super interessantes e inspiradores. Para este projecto as minhas maiores referências foram o Dudi Hasson e o Stuart Winecoff, tanto o trabalho dele como fotógrafo como de director de fotografia. Em cinema procuro muito referências que explorem o uso do som e a sua relação com a imagem. Olho muito também para publicidade. Tive por exemplo como referência o trabalho de uma dupla de realizadores com quem costumo trabalhar, os Rubberband. Trabalhar tanto tempo em publicidade faz-me ter esta necessidade de fazer um moodboard detalhado. Faz parte do meu processo criativo ir buscar estas referências para ajudar a ilustrar as minhas ideias. Ajuda-me muito a concentrar e a clarificar tudo na minha cabeça quando estou a escrever e a desenvolver conceitos.
7) Depois deste vídeo-retrato ficamos com muita curiosidade em ver um teu próximo filme em ficção ou documentário. Que próximos trabalhos autorais tens preparados ou em preparação (que nos possas contar)?
De momento estou em processo de desenvolvimento de uma curta-metragem que se passa entre Berlim e Lisboa e explora este último ano e meio em Berlim, a minha relação com ela e com as saudades de Lisboa.
BIOGRAFIAS
Herlander
artista retratado
Herlander é um artista / performer baseado em Lisboa, que reescreve as regras do standard popular musical. A sua música roça antipop, mergulhando num lago sem género, vozes que harmonizam entre si e sons particulares que se sentam distintos numa só sala.
Leonor Alexandrino
realização
Leonor Alexandrino é uma realizadora e criativa estabelecida entre Lisboa e Berlim. Em 2018 concluiu os seus estudos na Universidade Lusófona e apresentou a sua primeira curta-metragem de ficção, Escuro (2018), que fez um interessante percurso em festivais nacionais e internacionais, incluindo uma nomeação aos Prémios Sophia Estudante. Desde então que tem feito parte de vários projectos, incluindo videoclipes para artistas nacionais e assistência criativa para produtoras de publicidade e cinema. Em 2020 realizou a sua segunda curta-metragem de ficção, escrita por Mário “Profjam” Cotrim e interpretada pelo próprio e por Rita Blanco, tendo estreado nos cinemas Ideal e Trindade. Desde 2021 reside em Berlim onde continua a desenvolver os seus projectos pessoais e trabalha como assistente criativa para realizadores internacionais.